Adidas: da divisão da cidade de Herzogenaurach, as passarelas da fashion week
A Adidas sobreviveu uma guerra, briga de família e é uma gigante no esporte e na moda
Para todos os lados, as marcas esportivas vêm se destacando. É impossível fugir da discussão de qual o tênis mais desejado, ou qual a nova tendência esportiva. De todas as empresas do ramo, uma das histórias de origem – e sucesso – mais interessantes é da Adidas, empresa alemã que sobreviveu a guerra, a uma briga de irmãos e hoje tem grande presença não apenas no mundo esportivo, mas também na moda.
Do nascimento da fábrica ao rompimento dos irmãos
Uma das maiores marcas esportivas da atualidade tem uma longa e complicada história. Nascida na Baviera no começo do século XX, primeiro como Gebruder Dassler, e comandada por dois irmãos, o que viria ser a Adidas viveu dias intensos no durante e após a Segunda Guerra.
Adolf “Adi” e Rudolf Dassler começaram com uma proposta revolucionária para época: uma fábrica de calçados exclusivos para o uso esportivo. Os calçados eram idealizados por Adolf, que criava os designs e pensava os modelos, usando materiais leves e flexíveis para época. Já Rudolf cuidava das vendas e do “marketing” do negócio, muito antes de essa palavra entrar na moda.
Irmãos Dassler antes da guerra.
Mas os irmãos moravam numa pequena cidade na Alemanha, e tempos complicados estavam a caminho. Rudolf admitiu posteriormente que votou no NSDAP, partido de Hitler, pela primeira vez em 1932. Um ano depois, ambos os irmãos se filiariam ao partido, mas Rudolf seria o mais ativo na política.
Apesar dessa relação, nos Jogos Olímpicos de 1936, os irmãos Dassler conseguiram acesso a Vila Olímpica, com a ajuda do dirigente alemão Waitzer, e distribuíram seus calçados para inúmeros atletas – incluindo o americano Jesse Owens. Owens seria a grande estrela das Olimpíadas de 1936, ganhando diversas medalhas, e usando os calçados esportivos dos Dassler, com duas faixas nas laterais, bem parecido com o desenho de uma marca atual.
Os anos seguintes foram de sucesso para a empresa da dupla – até o início da Segunda Guerra, em 1939. A ascensão dos nazistas causou desentendimento entre os irmãos, já que Rudolf se envolvia cada vez mais com o partido, e Adi fazia o mínimo exigido, mantendo inclusive funcionários que não haviam sido aprovados pelos nazistas.
Como todos os negócios, os irmãos Dassler foram afetados pelo esforço da guerra, sendo obrigados a limitar a produção, mas ainda não fechando a fábrica. Em 1942, sem funcionários o suficiente, os Dassler chegaram a pedir prisioneiros de guerra para trabalhar – cinco russos. No geral, diversas marcas esportivas participaram dos esforços de guerra de seus países: a Gebruder Dassler, na Alemanha; a Karhu, na Finlândia, que fabricava botas para os soldados; a Gola, marca de chuteiras inglesa; e até mesmo a Converse, nos Estados Unidos.
Ao fim da guerra, a relação entre os irmãos estava insustentável. Quando os norte-americanos tomaram a cidade, Adi e sua esposa Kathe conseguiram estabelecer uma boa relação com os soldados, abrigando-os em sua casa e fornecendo inclusive calçados esportivos para que praticassem esportes. Além disso, a descoberta de que os calçados Gebruder Dassler haviam sido usados por Jesse Owens ajudou a reputação da empresa com os norte-americanos, de forma que o negócio dos Dassler sobreviveu bem a guerra e agora ao pós-guerra.
Mas a volta de Rudolf, derrotado na guerra, rendeu disputas constantes entre os irmãos. A situação se tornou insustentável após Adolf ter que se defender no comitê de desnazificação, em 1946. Apesar de ter recebido o veredicto de “Mitlaufer”, que o identificava como apenas um alemão filiado ao partido que não contribuiu com o regime, o julgamento foi a gota d’água para o relacionamento entre Adolf e Rudolf.
A separação: nasce a Adidas e a Puma
Com a demanda pela produção da fábrica crescendo, a disputa dos irmãos precisava ser resolvida – e rápido. Rudolf estava convencido de que a empresa não sobreviveria sem ele, e em 1948 a separação dos bens foi resolvida: Rudolf ficou com a fábrica de Wurzburgerstrasse, enquanto Adi comandaria a fábrica perto da estação de trem, além da casa, usada por Adolf e sua esposa e pelos soldados norte-americanos.
Pouco tempo depois, cada irmão fez o registro de uma marca própria. Adolf, primeiro tentou registrar “Adds”, que foi recusada por parecer o nome de uma marca de sapatos infantis já existente, e depois “Adidas”, juntando seu apelido Adi com o sobrenome Dassler. Rudolf tentou fazer algo parecido registrando “Ruda”, mas o nome também foi recusado, e “Puma” foi escolhido para o seu lugar.
O curioso é que a rivalidade dos irmãos Dassler agora seria estendida para suas empresas, e para a cidade de Herzogenaurach. O rio Aurach, que corta a cidade, passou a ser usado como uma fronteira entre os que apoiavam Adi e os que apoiavam Rudolf. O lugar recebeu o apelido de “a cidade onde todos olhavam para baixo”, sempre checando os calçados utilizados pelas outras pessoas.
Na expansão das empresas, a Adidas teve inicialmente a vantagem publicitária. Adi abandonou as duas faixas, já associadas com a Gebruder Dassler, e resolveu apostar em três faixas laterais. A reputação da Adidas foi construída com base na sua relação com os atletas, e reforçada a partir das Olimpíadas de 1952.
Quando o assunto era futebol, no entanto, a Puma começou em vantagem. Suas chuteiras eram vistas como mais estilosas e menos pesadas do que as típicas chuteiras com bico de aço da época. Uma das sacadas mais geniais da Puma no século XX foi em relação ao Pelé, no lance nas quartas de final da Copa do Mundo de 1970, quando antes do apito inicial entre Brasil e Peru, o jogador brasileiro pediu ao juiz para amarrar as chuteiras antes da partida, e o mundo inteiro admirou as imagens do maior jogador de todos os tempos e suas chuteiras da Puma.
A ascensão da Adidas no mundo da moda
Mas Adidas e Puma não estavam sozinhos na busca pelo domínio do esporte. Ainda na década de 1960, a Nike surgiu nos Estados Unidos, e apesar de focada nos esportes norte-americanos, aos poucos a empresa foi estendendo seus negócios e chegando ao futebol. Um marco no avanço da Nike é, com certeza, o contrato com a seleção brasileira, em 1996, que abrangia não só uniformes, mas direitos a partidas amistosas – mas isso é outra história.
O fato é que, dando um grande salto temporal, chegamos as décadas de 2000, 2010 e agora 2020, quando o estilo esportivo voltou a ficar em pauta e “na moda”, em diferentes versões. Dos conjuntos de moletom dos anos 2000, aos “its” tênis de 2020, as empresas de material esportivo que antes olhavam apenas para o esporte, agora adicionaram outro horizonte aos seus negócios.
A primeira empreitada da Adidas na moda veio na década de 1990, com a Jaqueta EQT Volunteer, lançada para Maratona de Boston. Mas foi nos anos 2010 que a marca passou a investir mais para além do cenário esportivo. Uma das estratégias da empresa foi formar parcerias com designers e artistas, como a parceria com Stella McCartney, que ainda existe, e a Adidas Yeezy, com o Kanye West, que foi encerrada em 2022.
Coleção de Stella McCartney para a Adidas em 2020.
Mas um destaque muito importante são os tênis. Nas redes sociais, o modelo Samba (que sim, tem esse nome por causa do Brasil), lançado em 1950, se tornou o queridinho das it girls e da Geração Z. O sucesso do modelo pode também ser atribuído a parceria com a designer Grace Wales Bonner, que criou modelos coloridos que chegaram a custar mais de 22 mil reais. Desse momento em diante, a Adidas fez parcerias até com outras marcas, criando modelos especiais, como por exemplo com a Heiniken ou a edição especial verde e rosa assinada por Messi para o Inter Miami.
Modelo do Adidas Samba assinado por Messi para o Inter de Miami.
Nos últimos meses, outro modelo de tênis da Adidas vem ganhando destaque: o Gazelle, também em modelos bastante coloridos. Mas ainda é incerto se o Gazelle vai ter o mesmo sucesso duradouro do Samba. Mas o fato é que, marcando presença nas últimas semanas de moda, a Adidas demonstra que vem para ficar, expandindo seus domínios do mundo dos esportes também para moda.
Referências
SMIT, Barbara. Invasão de campo: Adidas, Puma e os bastidores do esporte moderno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007.
Storch, Julia. “Como o Adidas Samba virou o tênis do momento após 70 anos”. Exame, 13 de abril de 2024. https://exame.com/casual/como-o-adidas-samba-virou-o-tenis-do-momento-apos-70-anos/. Acesso em 07/10/2024.
Fernandes, Rafael. “Seleção Brasileira: quem era o fornecedor esportivo antes da Nike?”. SportsInsider, 16 de junho de 2024. https://sportinsider.com.br/quem-era-o-fornecedor-esportivo-da-selecao-brasileira-antes-da-nike/. Acesso em 07/10/2024.