Maracanã: 75 anos do templo do futebol brasileiro
O futebol no Brasil existe em um tempo antes e depois do Maracanã
A história do Maracanã se mistura não apenas com a do Rio de Janeiro, mas também com a do futebol brasileiro. Até hoje, o Brasil é o único país a participar de todas as edições da Copa do Mundo, mas a ideia de país do futebol só começou anos depois da primeira participação em Copas, em 1930, quando a competição foi realizada no Uruguai, que se consagrou campeão.
Os mundiais seguintes, de 1934 e 1938, foram disputados na Europa, na Itália e França respectivamente, e ambos foram vencidos pelo time italiano. Após a Segunda Guerra Mundial, que estourou em 1939 e durou até 1945, o Brasil foi escolhido por unanimidade em 1947 para hospedar a primeira Copa do Mundo do pós-guerra.
Maracanã lotado em jogo do Flamengo.
Futebol pré-Maracanã
O futebol, que já era uma paixão nacional, ganhou ainda mais destaque nas décadas antes de 1950. O presidente Getúlio Vargas, em sua primeira passagem pelo poder, deu especial atenção para o futebol, abraçando seu caráter popular e aumentando a identificação nacional do povo com a seleção. As derrotas nas duas primeiras edições da Copa do Mundo foram também catalizadoras para o fim do amadorismo no Brasil e a profissionalização do esporte.
Vargas utilizava tanto a questão do futebol, que um dos maiores eventos instaurados durante seu governo, o 1 de maio, o dia do trabalhador, era marcado por uma festa com a presença do presidente e do ministro do trabalho, no estádio do Vasco, São Januário, que na época era o maior estádio do país, ou no Pacaembu, o maior estádio do estado de São Paulo. O evento reunia milhares de pessoas, e utilizava do espaço do futebol como um espaço de política, com discursos dos governantes.
O Estado Novo, de maneira geral, investiu muito em formar uma “identidade brasileira”, utilizando a cultura como suporte. Assim como o futebol ganhou destaque, o samba e a certas partes da cultura popular ganharam destaque e foram amplamente utilizados pelo governo para criar a imagem do que seria ser brasileiro, com Vargas criando inclusive departamentos para lidar com a imagem pública do governo e do país (DOP, DIP, DPDC). O governo se fazia presente no cinema e principalmente no rádio, com o início de programas como por exemplo "A hora do Brasil”.
Foi inclusive em 1931 que, pela primeira vez, uma partida foi transmitida no rápido na íntegra e em tempo real. Antes disso, os resultados eram falados em boletins rápidos. A partida, entre o selecionado de São Paulo e o de Paraná, foi narrada por Nicolau Tuma, da Rádio Sociedade Educadora Paulista. Depois disso, as transmissões passaram a ser cada vez mais comuns.
A execução de uma Copa do Mundo no Brasil é um importante ingrediente para o futebol brasileiro subir de patamar no cenário mundial. Era também a oportunidade perfeita para o governo autoritário de Vargas no Estado Novo, que se inspirava abertamente no fascismo europeu, de resgatar os sentimentos nacionalistas e para mostrar o Brasil ao mundo, usando a vitrine do mundial. A imagem que o governo queria passar era de um país próspero, em pleno desenvolvimento e com uma população ufanista e orgulhosa do seu país.
Mas a Segunda Guerra Mundial atrasou o desejo brasileiro de sediar uma Copa do Mundo, e Vargas, alinhando com ideais fascistas mesmo tendo apoiado o Eixo na guerra, deixou o poder em 1945, dando início a um novo período democrático, que duraria até 1964. O novo presidente, eleito no fim de 1945 com o apoio de Getúlio Vargas, era o militar Eurico Gaspar Dutra. As incertezas políticas e econômicas não impediram Dutra de investir na realização de uma Copa do Mundo no Brasil, sendo o evento uma maneira de colocar o Brasil no patamar das grandes potências mundiais.
Se no cenário político e econômico não era tudo tão maravilhoso, o cenário esportivo era promissor. Depois do profissionalismo integrado ao futebol brasileiro, o selecionado nacional ganhou a Copa América de 1949, derrotando o Paraguai por 7x0 e acabando com um jejum de títulos que durava 27 anos. A Seleção Brasileira chegava confiante para o mundial de 1950, sendo cotada como uma das favoritas, num grupo de classificados que incluía a Itália, já bicampeã (1934 e 1938), o Uruguai, Inglaterra, Suécia, Chile, Iugoslávia, entre outros.
A final do mundial já tinha lugar marcado: no novíssimo estádio do Maracanã, construído especialmente para o evento da Copa do Mundo. O Brasil já contava com grandes estádios, como São Januário e Pacaembu, mas o Maracanã surge como um marco, um verdadeiro templo do futebol nacional, projetado para ser o maior estádio do mundo. Mas a construção de tamanho estádio não tinha como ser feita sem nenhuma polêmica envolvida.
Nasce o templo do futebol
Com a pedra fundamental colocada em 1948, iniciou-se a construção do Maracanã. O projeto previa um estádio com capacidade para incríveis 155.250 pessoas, com arquibancadas divididas em 93 mil lugares com cadeiras, 31 mil em pé, 30 mil cadeiras cativas, 500 lugares para a tribuna de honra e 250 para camarotes, além das tribunas de imprensa. Mais ou menos 3.500 trabalhadores foram escalados para executar a obra, iniciada apenas dois anos antes da Copa. Seria um estádio gigante, uma maneira do Brasil se mostrar para o mundo como um país desenvolvido e capaz de erguer um verdadeiro templo do futebol, se tornando o dono não só da melhor técnica no esporte, como do melhor estádio de futebol.
Apesar do imaginário popular e da grande parte da imprensa ser a favor da construção do Maracanã, a obra sofreu fortes oposições. O principal ator político que era contra sua construção era o deputado federal Carlos Lacerda. O projeto do estádio, apoiado por Mário Filho e desenvolvido pelo Marechal Mendes de Moraes, que viria a se tornar prefeito do Rio de Janeiro, foi discutido na recém reaberta Câmara Municipal, com o debate liderado por Ary Barroso, um conhecido radialista e locutor de futebol na rádio Tupi.
Ary, mesmo sendo da UDN, conseguiu o apoio do PCB e os votos suficientes para passar o projeto na Câmara. Entre os udenistas, o projeto do estádio não era uma unanimidade. Em discussões com teor parecido com as ocorridas sobre a construção dos estádios na recente Copa do Mundo de 2014, que também aconteceu no Brasil, deputados questionavam, por exemplo, o motivo do investimento ir para o estádio ao invés de para a saúde.
Carlos Lacerda foi contra o projeto de construção do estádio desde o começo. Um de seus maiores questionamentos era o tamanho e a capacidade do estádio, que seria de 150 mil pessoas, alegando que não existia material o suficiente no Brasil para erguer tamanho projeto. Lacerda acabou por concordar com a construção, mas queria que o estádio fosse erguido no bairro do Jacarepaguá, e tivesse capacidade de apenas 60 mil pessoas. Uma pesquisa foi feita logo em seguida, para saber onde o carioca preferia a construção do estádio, e mostrou que “A maioria absoluta (56,8%) escolheu o local indicado por Ary (...). Apenas 9,7% aceitaram a sugestão de Lacerda.” (GUTERMAN, 2012).
A área indicada por Barroso para a construção do Maracanã era a antiga área do Derby Club, o que fez com que o estádio fosse conhecido por algum tempo como o “Gigante do Derby”. Geograficamente, o lugar que abrigaria o novo estádio ficava na Zona Oeste do Rio de Janeiro, entre a Tijuca e São Cristóvão. Posteriormente, onde o estádio está localizado e nos seus arredores, foi criado o bairro Maracanã, separando a região da Tijuca. O próprio nome popular, Maracanã, deriva de um rio de mesmo nome que passa na região, cruzando a Tijuca e São Cristóvão, e que acaba desaguando na Baía de Guanabara.
A esmagadora maioria também era a favor da construção do estádio. Ou seja, era um projeto com grande apoio popular. Tal apoio popular pode ser atribuído tanto a popularidade de Ary Barroso como locutor e radialista esportivo, tanto pelo apoio de Mário Filho, que em seus jornais, principalmente o Jornal dos Sports, dedicava espaço para a campanha a favor da construção do Maracanã.
Apesar da popularidade do futebol, o país como um todo não contava com muitos estádios capazes de sediarem jogos do nível de uma Copa do Mundo. Além do Maracanã, que estava sendo construído especialmente para o evento, somente o Pacaembu, em São Paulo, e o Durival Britto e Silva, em Curitiba, eram novos e estavam prontos para receberem jogos. Os demais estádios nas outras cidades sedes precisaram sofrer reformas e melhorias rápidas. Os outros estádios do Rio de Janeiro, que outrora receberam jogos de seleções (Laranjeiras e São Januário), não foram utilizados na Copa do Mundo de 1950.
Com o prazo apertado de dois anos, o novo estádio foi inaugurado apenas uma semana antes do início do Mundial. A primeira partida foi um amistoso entre a seleção carioca e a paulista, sendo vencida pelos paulistas por 3x1, embora os cariocas tenham sido os primeiros a marcarem no estádio. Estavam presentes tanto o presidente Dutra, que cortou a fita inaugural do estádio, quando o prefeito do Rio, Mendes de Morais, que no primeiro momento teve o estádio nomeado em sua homenagem.
Construção do estádio do Maracanã.
O Maracanã mudou a dinâmica esportiva do Rio de Janeiro. Durante a Copa do Mundo de 1950, sediou oito jogos, incluindo a grande final entre Brasil e Uruguai, que ficou conhecida como “Maracanazzo” devido a derrota brasileira por 2x0 que sagrou o Uruguai bicampeão da Copa do Mundo. Depois do fim da Copa, o Maracanã passou a ser palco dos campeonatos locais, incluindo o Campeonato Carioca, e rapidamente se tornou o estádio favorito dos times do Rio de Janeiro para jogar.
De campeonatos brasileiros, Copas do Brasil, finais de Libertadores, finais olímpicas e até outra decisão de Copa do Mundo, o Maracanã segue sendo um dos locais mais importantes para a história do futebol brasileiro – e tem tudo para continuar por mais 75 anos.
Referências:
GUTERMAN, Marcos; O futebol explica o Brasil: uma história da maior expressão popular do país. São Paulo: Contexto, 2009.
FRANCO JÚNIOR, Hilário. A dança dos deuses: futebol, cultura, sociedade. São Paulo: Companhia das Letras, 2007
SIMAS, Luiz Antonio. Maracanã: quando a cidade era terreiro. Mórula Editorial, 2021.